segunda-feira, 18 de outubro de 2010

HABITAÇÕES HIGIÉNICAS : VILAS E CIDADELAS

Habitações higiênicas: vilas e cidadelas

Um dos mais evidentes exemplos das tentativas de controle e disciplinamento do cotidiano  é representado pelo modelo da «vila operária», em contraste com a segregação feita até aqui.

Houve proposta de outro padrão, isto é, conjuntos de casas em série, de teto baixo, pequenas, geralmente com sala, quarto, cozinha (um sanitário no quintal), muitas vezes afastadas da rua, que passam a ser construídas por companhias, especuladores, imobiliárias ou pelos
próprios industriais.

De qualquer forma, a construção de moradias destinadas ao operário industrial nas primeiras décadas deste século revelava-se negócio lucrativo. Os poderes públicos (municipais, estaduais e federais) vinham facilitar os investimentos do capital no ramo de construção de habitações populares-operárias, limitando os juros para o capital investido nessa aplicação e garantindo retorno lucrativo.
Assim, os investidores faziam altos negócios com aluguéis e se dividia quanto aos cortiços, havia aqueles que queriam eliminar o cortiço enquanto «foco infeccioso», fazem-no pensando em contar com um vasto contingente de mão-de-obra disponível; nem por isso, pretendem diminuir a possibilidade de acumulação de capital com empreendimentos urbanos; «portanto, nem os salários podem aumentar, nem a imigração diminuir, nem o lote urbano deixar de ser rentabilizado ao máximo, através do retalhamento e configuração de grande quantidade de pequenos espaços a serem alugados para diferentes famílias . 

As vilas operárias foram construídas por algumas empresas industriais para alugar a baixos preços ou mesmo ceder gratuitamente a seus empregados.
                                                                         
A primeira explicação surgida para tal iniciativa foi a de que, à falta de operários para a recém-industrialização no Brasil, os industriais pretendiam atraí-los com o chamariz das casas, tão raras.  Isso não parece ser justificado em um período em que há um vasto exército industrial de reserva, acrescido em muito com a imigração.
Na verdade, havia interesse de atrair os operários mais qualificados e técnicos, além de que a vila operária visava difundir padrões de moralização da vida proletária requeridos pelo sistema capitalista como ideologia adequada ao produtor de mercadorias.

Os aluguéis e a ocupação dessas moradias variavam muito, desde cessão gratuita até aquelas em que os aluguéis eram iguais aos do mercado. Um relatório reconhecia serem estas iniciativas isoladas e esparsas e «(os industriais) nenhum se fez com intuito humanitário ou altruísta: sendo essas vilas alugadas, não há ônus para a fábrica, pois muitas vezes descontam dos salários;
representavam, pois, um investimento lucrativo.

Apesar de não significarem muito na cidade de São Paulo, essas vilas, construídas em regiões vizinhas e áreas já ocupadas, acabaram por definir certas «microzonas de urbanização .      

Eram também uma «microestrutura institucional»   onde o espaço de habitação operária é previamente determinado, como já era o espaço do trabalho na fábrica. Na edificação das vilas, o industrial projeta também um programa para a organização da vida cotidiana e dos tempos
livres dos trabalhadores.
Tais vilas disciplinavam totalmente o cotidiano fora da fábrica: obrigatoriedade de ser casado, ir à igreja, toques de recolher à noite, bailes vigiados, jogos programados.                                             

       A própria cessão da casa era apresentada como vantagem e privilégio, merecido por comportamento exemplar na produção ,produtividade, dedicação, pontualidade, submissão, etc.
Dessa forma, contrastava em muito com o cortiço. Este, habitado pelos trabalhadores não qualificados e pela chamada marginalidade (biscateiros, artistas, prostitutas, vagabundos)
e por alguns desempregados, migrantes do Sul da Itália, aparecia como na fronteira da clandestinidade, «miséria perigosa».

É o contraponto, o outro extremo do cortiço, já em si em grande contraste com o espaço da fábrica, que é um espaço rigorosamente disciplinado. O cortiço é, pois, um local  irregular. Há «desordem » nos espaços privados (em cada cômodo se realizam várias funções) e no espaço coletivo (pátios, corredores, tanques e equipamentos de lavagem de roupa, banheiro e cozinha).
Misturam-se adultos, crianças, sexos, etnias (imigrantes recém-chegados, negros, mulatos), profissões e ocupações.                                                                                                           

           Há promiscuidade e «desorganização moral» — contraste com «o exemplo de asseio, ordem e disciplina representado pelas abelhas [...] é preciso cuidar da unidade urbana; a habitação, não já da habitação privada, mas daquelas onde se acumula a classe pobre, a estalagem onde pulula a população operária, o cortiço . 
Ao contrário, o padrão  nos bairros exclusivos da elite é o palacete: a edificação isolada no meio do lote, ou no mínimo com recuo lateral e circundado por jardins, fechados com muros, definindo a privacidade desse espaço.

Os palacetes têm suas funções subdivididas pelos cómodos: entrada, sala de visitas, sala de jantar, quarto dos meninos, quarto do casal, escritório, despensa, cozinha, etc. O espaço destinado à vida social é grande, embora ela não seja intensiva, mas existem lugares de «encontro» e os privativos.

Se o cortiço e a habitação burguesa representavam pontos extremos da escala social da época, a vila cidadela significava expediente intermediário, embora muito pouco expressivo quantitativamente, existiu ainda outra modalidade de habitação popular, muito mais frequente que as vilas operárias construídas pelas indústrias.
Tratava-se de conjuntos habitacionais de casas unifamiliares, construídas por empresas imobiliárias, por sociedades mutuárias, para serem alugadas a operários e para a classe média. Construídas em série, uniformes, desde pequenos grupos de duas a seis casas geminadas, nos bairros do Brás, Moóca, Belenzinho, Luz, Lapa, Bom Retiro, Cambuci e outros.
Algumas delas ultrapassam cem habitações.
Essas devem ser as «vilas» tão citadas pela imprensa, técnicos de órgãos públicos e pela legislação urbana, e não as construídas pelos industriais.

É certo que seus moradores eram os setores melhor remunerados da classe trabalhadora
e da classe média, tanto os operários qualificados como os pequenos comerciantes,
funcionários públicos, etc.

São vários os exemplos, mas um dos mais citados é o da Vila Economizadora Paulista, sociedade mutuária fundada em 1907 e que construiu a primeira vila na Rua São Caetano. Construída entre 1908 e 1910, era constituída de 147 casas de vários tipos e tamanhos.         Outras companhias e sociedades mutualistas foram criadas, construindo para aluguel e beneficiando-se de isenções fiscais.
Outras vilas economizadoras foram implantadas em outros bairros, também como negócio altamente lucrativo, pois adquiriam terrenos em lugares afastados do centro por preços irrisórios e alugavam com ganhos.

De qualquer modo, a casa alugada é a forma de moradia que prevalece entre os operários das primeiras décadas do século xx: se melhor remunerados, na vila operária ou na casa unifamiliar dos conjuntos; se mal remunerados, o cômodo do cortiço.
Em 1920, mais de 80% das edificações existentes eram ocupadas por inquilinos e apenas 19% pelos seus proprietários68. O aluguel se constituía excelente forma de investimento e remuneração do capital empregado. Garantia juros relativamente altos, além de proporcionar a valorização imobiliária.
Os cortiços também apresentavam alta lucratividade.
 Havia investidores privados, pequenos capitais comerciais ou industriais, que aplicavam no setor imobiliário; em suma, nos inícios do século xx, o complexo cafeeiro ainda comandava as expansões e retrações da economia e, como tal, permitia o surgimento de pequenos e médios investidores, bem como de uma classe média com certa capacidade de poupança.                                 

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