segunda-feira, 18 de outubro de 2010

CORTIÇOS NO BRÁS

Cortiços no Brás: habitação popular
O processo histórico da cidade —


Moldado pelo processo econômico e social mais amplo — explica sua configuração, seus bairros, sua segregação, seus hábitos e tradições, seu novo modo e estilo de vida, em sua arquitetura, em sua cultura, .
A habitação popular constitui aspecto fundamental na história económica, social e urbana de São Paulo, em especial de sua industrialização. Suas marcas podem ser percebidas ao longo da configuração da cidade e de seus bairros.

As mudanças no bairro refletem diferentes etapas dos processos que moldaram o espaço urbano e se representaram por diferentes configurações.
Até os anos 20 deste século 20 º, bairro de imigrantes, notadamente italianos, com suas habitações operárias, cortiços, hábitos peculiares.
Nas décadas de 30 e 40 passou por grande apogeu comercial. Seu esvaziamento e chamada «deterioração» datam da década de 50, por efeito das transformações da metrópole industrial, das alterações do seu sistema viário e pelos fluxos migratórios nacionais, que marcaram o começo da nordestinização.
Com a implantação do metro, nos meados da década de 70, o bairro se descaracteriza, recrudesce o encortiçamento e seu feitio cultural é nordestino, com suas feiras, seus ambulantes. Bairro de «excluídos» tanto antes como hoje, através dele, a cidade capitalista revela sua face discriminatória, a segregação.
A história do bairro do Brás só pode ser vista junto à história da cidade de São Paulo, que, por sua vez, conta muito da história da região . Em uma abordagem preliminar sobre esse recorte da cidade tem-se de percorrer o caminho da reconstrução do passado, iniciando-se em meados do século (18 º), quando foi erigida a igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinho por um português, proprietário rural da região — José Brás —, que parece ter dado nome ao bairro.


Apenas sofreria consideráveis transformações a partir da segunda metade do século xix, quando se configuraria o Brás como bairro popular, no bojo do processo de industrialização paulistana. Sua estruturação decisiva deu-se basicamente no último quartel do século xix (1870- -1900), apresentando seu feitio de bairro operário: na várzea do Tamanduateí, terrenos alagadiços e insalubres abrigavam a rede ferroviária (que demandava o Rio de Janeiro) e ali também se instalou a Hospedaria dos Imigrantes, onde emigrados, notadamente italianos, ocuparam o território, moldando a inserção do bairro no conjunto da cidade, com seus cortiços e pregões.

Acompanhar a história do bairro, recuperar a trajetória de São Paulo e suas relações com o contexto mais amplo da urbanização brasileira, marcando também etapas e formas de habitação popular na cidade industrial, especialmente no período de 1890-1929.

Ainda nos inícios do século xix, São Paulo era marcada pela superioridade da casa rural sobre a vila, não contando mais que 20 000 habitantes, enquanto o Rio de Janeiro contava à época com 100 000 moradias
Como era centro obrigatório de passagem do gado sulino para a área das minas e entreposto para o fluxo de mercadorias importadas do Rio de Janeiro, com a instalação da família real e a intensificação do comércio, as trocas se acentuaram e as bandeiras foram substituídas pelas «monções e tropas de mulas».

A cidade de São Paulo viria a ser centro de atração, reunindo funções comerciais, culturais, religiosas e políticas.
Em 1836, quando se fez o recenseamento da província , registraram-se na cidade de São Paulo 4068 «fogos», compreendendo 21 933 habitantes.
O centro urbano era formado por três freguesias: Sé (5668 habitantes); Santa Ifigênia (3064 habitantes) e Brás (659 habitantes), englobando um total de 9391 habitantes; o restante se espalhava pelos então «subúrbios».

Nessa cidade restrita, o Brás representava um núcleo ainda mais modesto, constituindo apenas um dos pólos do cinturão de chácaras que a circundava. Os viajantes da época davam-no como lugar de alojamento e hospedagem.
A partir de 1850 as chácaras do entorno iriam desmanchar-se, cedendo à expansão urbana.

Em 1856, atas da câmara municipal destacavam a necessidade de ampliar as terras compreendidas nos limites demarcados por Martin Afonso, insuficientes para as necessidades dos habitantes da cidade.
Nesse período, nas profundas transformações sócio-econômicas e nas mudanças na cidade de São Paulo, pesaram o café, a ferrovia, a presença do imigrante, o declínio e a abolição da escravatura e posteriormente a industrialização de substituição de importações.

O «complexo cafeeiro» exigia um sistema articulado para sua produção e comercialização.
O capital gerado pelo café, assim, era reinvestido em setores que, embora ligados à lavoura, eram mais amplos, tais como a criação de comissariados para exportação, bancos e a construção de estradas de ferro. A modernização verificada na sociedade brasileira após 1850.

A partir desse marco, o sistema escravocrata passou a ser considerado atividade condenada por um conjunto de fatores. Esse novo período histórico iria preparar o país para o advento da indústria e da maquinaria .

Com o abandono do trabalho escravo, o café traria vigorosa imigração de europeus, desenvolvendo formas assalariadas de relações de trabalho e consolidando o mercado interno.


Uma das faces trazida pelo café e que influiu sobre São Paulo foi o fato de que os fazendeiros agora fixavam residência na cidade. Essa aristocracia rural era formada de empresários comerciais e, sendo para eles a comercialização do café tão importante quanto sua produção, fez-se imprescindível sua presença na cidade.
Por outra parte, o aumento da produção cafeeira e sua exportação, sua expansão para o
interior, o aumento da receita, reclamavam empreendimentos mais rápidos que tropas de mulas ou carros de boi. O papel das ferrovias foi o de indutores de organização do espaço das cidades, enquanto provocaram a decadência do sistema de transporte a tração animal.

As características das estradas de ferro era seu traçado geralmente reto, com óbvia preferência pelos terrenos planos, as várzeas vinham a calhar desse ponto de vista topográfico. Assim, as ferrovias alcançaram fácil as proximidades do centro, sem desapropriações vultosas.
Isso era o oposto do que acontecia em rotas das tropas de muares que, procurando evitar as
várzeas, realizavam traçado sinuoso.
As ferrovias passavam a valorizar as terras que percorriam, em detrimento daquelas que margeavam as estradas de tropas, antes privilegiadas. Os núcleos que outrora prestavam serviços àquele tipo de circulação ficaram prejudicados.

Com o Brás, contudo, embora também fosse pouso de tropa, isso não ocorreu, uma vez que recebeu a implantação da ferrovia por ser zona de várzea e próxima ao centro.

Este fato marcou sua vocação dentro da organização espacial da cidade, pois a ferrovia atrairia para suas margens, graças aos preços relativamente baixos dos terrenos e facilidade de acesso aos transportes, futuras indústrias, depósitos, além da presença da mão-de-obra imigrante em suas modestas moradias.
A imigração veio inicialmente para a cafeicultura, mas pouco a pouco esses estrangeiros foram-se dispersando e trabalhando como artesãos, chacareiros, etc, em São Paulo.
Uma vez na cidade, o trabalhador imigrante procurava lugar para se instalar, compatível a seu poder aquisitivo e que fosse próximo a seu local de trabalho.
Daí a procura pelo Brás.

Também o Bexiga e Bom Retiro mereceram a preferência dos imigrantes; os italianos, por exemplo, procuraram fixar-se no Brás por conter terrenos de várzea, mais baratos, e pela presença ali da Hospedaria dos Imigrantes, da ferrovia e de indústrias.

A cidade se modificou no uso, do seu espaço, na sua escala. «A vida urbana invade o campo», e o cinturão das chácaras sofre as consequências, formando os bairros residenciais. As antigas «casas de fins de semana» dos fazendeiros eram de reduzidas dimensões para abrigar as funções de moradias permanentes e, assim, passou-se a lotear áreas e prepará-las para as habitações da classe dominante; os terrenos são de grandes dimensões — a chácara é transplantada para a cidade, iniciando-se um processo de progressivo retalhamento da área rural, contígua à cidade, extensão urbana por «aglutinação. Todo esse processo é, sem dúvida, comandado pelos objetivo de lucro imobiliário.

Percebe-se, assim, que a cidade, agora expandida para além dos limites do triângulo histórico que antes concentrava todas as funções, começou a apresentar zonas de diferenciação e hierarquização de uso espacial.



As classes sociais passam a ocupar áreas diversas.
O antigo centro passa a ser o lugar do comércio e dos serviços e novos bairros surgem na direção oeste, com ruas largas, espaçosas e palacetes dos barões do café (como o bairro de Campos
Elíseos). Como tendência, a burguesia procurava ocupar os flancos do maciço, enquanto os menos favorecidos, onde podiam, se acomodavam nas baixadas do Tietê e Tamanduateí, já referidas.

São Paulo organizava-se em duas partes distintas, os rios estabelecendo verdadeiras faixas divisórias. O córrego Anhangabaú, o rio Tamanduateí, bem como a estrada de ferro (Santos a Jundiaí), marcavam diferentes territórios: a leste localizaram-se os bairros populares (mistos), com residências operárias, indústria e comércio, tendo como pioneiro o Brás. A oeste formaram-se os bairros da aristocracia rural e da burguesia industrial em Campos Elíseos, Vila Buarque, Higienópolis e Avenida Paulista.

A distribuição de classes na cidade em 1890 era a seguinte:
5 % a superior .
25 % a média .
e 70 % a inferior .

Foi o primeiro surto industrial. Em 1890, que continha vários estabelecimentos fabris de certo porte às margens das ferrovias — tendência que se acentuou com o tempo — e em bairros novos, no cinturão das chácaras.

Com a industrialização por substituição de importações de bens de consumo e de produtos de subsistência e com a formação do mercado interno consumidor, a urbanização se acelerou,
deu-se grande povoamento e valorização dos terrenos do Brás.
Estes, considerados insalubres pelas enchentes e baixo custo, acabaram atraindo trabalhadores, pela proximidade à oferta de trabalho. O Brás era ainda centro de comércio de madeira de São Paulo e concentrava ruas de significativa presença nesse ramo.

Novas ruas são implantadas, pois, na febre da industrialização, os próprios empresários propunham à municipalidade o alargamento e prolongamento de certas vias, com permuta de terrenos.
No conjunto da cidade havia grande contraste entre as zonas altas, ocupadas pelos paulistas de «quatrocentos anos», de residências finas, e os bairros mistos, como o Brás, de indústrias e moradias (cortiços miseráveis e habitações coletivas de baixo padrão), tendo ao lado ainda algumas chácaras, como também residências de melhor padrão.
No processo de industrialização de São Paulo nesse período.

São apontados alguns fatores que contribuíram decisivamente para o sucesso da sociedade industrial paulistana:

A existência de um mercado consumidor interno, cada vez mais em função do crescimento da população do Estado e da cidade, inclusive por força da imigração e da abolição da escravatura; o afluxo de capitais, tanto nacionais como estrangeiros, e que possibilitou o investimento em grandes indústrias; a facilidade de mão-de-obra operária, a princípio oriunda dos imigrantes e ex- -escravos e futuramente do êxodo das áreas rurais; a facilidade de obtenção de energia elétrica; a existência de um mercado fornecedor de matérias-primas dentro da própria província (especialmente no caso do algodão) ou fora dela; rede eficiente de transportes, com entroncamento na cidade de São Paulo


Várias tentativas da municipalidade procuravam orientar o crescimento da cidade, alargando avenidas e propondo sua circularidade, sugerindo traçado em xadrez para as ruas, colocando ideias nos seus códigos de posturas sobre edificações, instalação de esgotos, assim como as «de limpeza e ventilação nas moradias coletivas de classe baixa e segregação de fábricas contaminantes.

A moradia alugada dos bairros populares: cortiços Os bairros industriais — e operários — caracterizavam-se basicamente pelo padrão habitacional da moradia alugada, uma vez que tal investimento era rentável para pequenos poupadores com origem no café e sem condições ainda de
aplicar na indústria.

Pode-se dizer que o Brás era como um foco irradiador dessa modalidade. Não foi comum em São Paulo a construção de vilas operárias construídas ao lado e pertencentes à fábrica, no estilo cottage inglês, pois exigiria um maior capital inicial, que não estava à disposição, e também porque o operário especializado, que interessava ao proprietário industrial atrair com habitação operária, era a minoria, diante de um excesso de mão-de-obra disponível e abundante, sem especialização

Havia uma correspondência entre o grau de acumulação do período e a casa alugada. Os «cortiços», «vilas» e «quintalões» representavam variações de um mesmo padrão, o da construção de habitação coletiva. Geralmente, os lotes, retangulares, apresentavam variável dimensão (frente oscilando entre 5 e 15 m e de fundo com 20 a 50 m).

Os de frente menor comportavam cortiços com uma entrada lateral, ao longo da qual se alinhavam quartos geminados perpendicularmente à entrada e com a presença de tanques, banheiros comuns.

Os de frente mais larga apresentavam uma entrada central e duas filas de cômodos que a ladeavam; assumiam formas de ferradura, da letra U, alguns assobradado Muitos problemas de salubridade, má insolação, ventilação e muitas famílias nos quartos-cozinhas.

Alguma organização se estabelecia para funções comuns, entre elas a de limpar banheiros, varrer corredores de circulação, quase um embrião de sentimento comunitário .

Em 1893, o levantamento das condições de cortiços revelara que tais medidas saneadoras haviam caído no descaso total, vitimando uma grande parte dos trabalhadores.

Além disso, o número de desempregados crescia dia a dia.

Dessa forma, a carestia dos produtos básicos se instalou. Apesar de contar com jornadas de trabalho intensivas, somadas também ao trabalho de mulheres e crianças, a família proletária não conseguia o mínimo para sobrevivência.

Várias crises se sucederam. Em 1907, por exemplo, as lideranças do movimento operário delineiam um movimento pela diminuição dos aluguéis: «Encareceu tudo: a farinha, o açúcar, o vinho, a carne, o feijão, a roupa, a habitação.»

Em 1912, a escassez de moradias chega a seu ápice, combinada à especulação imobiliária.

Em 1914 observar-se-ia sobra de moradia, com a crise de desemprego instalada, mas nem assim baixaria o custo de vida, «o aluguel não baixa»
A grande massa de imigrantes da classe trabalhadora, ocupava-se também do setor terciário, um setor elástico, sujeito a flutuações cíclicas. Havia um número considerável de pequenos assalariados, dependendo das oscilações do poder da burguesia e seus orçamentos familiares, que eram os consumidores dos bens e serviços.


Com ocupações de : guardas de quarteirão, coletores de lixo público , praças da força policial , acendedores de lampião, motorneiros de bonde, desinfetadores das casas contaminadas.

Ainda alguns ensacadores de café, serviços domésticos, e os autônomos e o trabalho informal:ligados ao artesanato em geral.

Os Proprietários preferiam alugar as casinhas que mandavam construir em vez de vendê-las; nem todos conseguem, pois, abrigo nas «vilas operárias». Muitos se apressam em ter casa própria, que quase sempre eles mesmos constroem. Aqueles imigrados que prosperam procuram instalar-se em outros bairros residenciais melhores.

O Brás é quase sinônimo de ralé, vítima de real segregação social, com seus cortiços e habitações coletivas. Um cortiço típico, tal como foi revelado pela pesquisa municipal de 1893 ocupava o interior de um quarteirão, onde o terreno era geralmente baixo e úmido.

Era formado por uma série de pequenas moradias em torno de um pátio ao qual vinha ter, da rua, um corredor longo e estreito. A moradia média abrigava de quatro a seis pessoas, embora suas dimensões raramente excedes sem três metros por cinco ou seis, com uma altura de três a três metros e meio. Os móveis existentes ocupavam um terço do espaço.

O cubículo de dormir não tinha luz nem ventilação; superlotado, à noite era «hermeticamente fechado».

Exceto nos cômodos de pessoas naturais do Norte da Europa, o soalho ficava tão incrustado de lama, que não se viam as tábuas; a umidade do solo onde elas repousavam fazia descascar o papel ordinário e liso das paredes. Estes e os tetos eram pretos de sujeira de moscas e da fumaça do fogão que a chaminé mal feita e mal conservada não eliminava convenientemente.

As paredes com quadros de mau gosto têm reboco ferido por uma infinidade de pregos e torno de que pendem vários objetos de uso doméstico e a roupa de serviço.
Os móveis, desagradavelmente dispostos têm sobre si empilhadas peças de roupa para lavar.

O pátio principal fornecia às moradias que o rodeavam uma torneira recalcitrante, um lugar para lavar roupa e uma privada mal instalada. Ladrilhos e calhas geralmente não existiam.
Variações do cortiço, um prédio único (por vezes uma adaptação ) excessivamente subdividido: o hotel-cortiço de tipo dormitório e barracos improvisados no fundo de estábulos e armazéns.

Todos apresentando falta de ar, luz, espaço, limpeza e solidez da edificação: Em São Paulo não havia favelas. O que predominou para moradia da gente pobre foi sempre, em São Paulo, o cortiço.

Algum terreno de centro de quarteirão, com pequenas habitações contíguas, com saída para a via pública por um corredor a céu aberto, entre muros. Ou então os porões habitados.

Havia insuficientes edificações para moradia e, apesar do febril ritmo de construções, a carência das casas torna-se mais aguda para abrigar toda a população, que crescia vertiginosamente:

Em 1886, existiam em São Paulo 7102 prédios, ou seja, um prédio para cada 6,8 habitantes; quatorze anos mais tarde, este número atinge 21 656 prédios, tendo o número médio de pessoas por prédio se elevado para 11,0744.

Ainda acrescidos dos habitantes transitórios da cidade, ponto importante de entroncamento para vários locais.

As autoridades se preocupam com as habitações coletivas, suas condições de higiene, com medo da iminência da «invasão pestosa» e o código de posturas do município (1886).

As condições mínimas: área mínima (três cômodos), área de frente, área calçada de serviço, pé-direito mínimo, portas e janelas mínimas, paredes e exigências sanitárias (um poço, ou torneira

com água, e pequeno tanque de lavagem a cada seis habitações, uma latrina para cada duas habitações...
Além disso, os cortiços deveriam ter mais de 15 m de largura, se situados dentro de terrenos junto das casas de habitação; entre cada linha de cortiços deveria haver uma distância de pelo menos 5 m e a área mínima de cada unidade era de 5 m2 .

A legislação não impedia a proliferação de cortiços, ao mesmo tempo que surtos epidêmicos explodem (em 1893 inclusive) e três de seus focos estavam nos bairros em que predominam tais precárias moradias coletivas.

Os freqüentes relatórios permitem identificar cinco tipos de cortiços, dos quais o mais comum é o cortiço-pátio já descrito, o cortiço-casinha, o hotel-cortiço (com refeições e geralmente com pessoas sós), a casa de cômodos (com cómodos de uso comum, prédios adaptados) e cortiços improvisados.

Surge mais tarde o cortiço verticalizado (três andares), comum no Bexiga.
Parece que a tendência foi progressivamente a subdivisão e adaptação do estoque existente, incapaz por si de atender à demanda de habitações unifamiliares.

Com as transformações urbanas e a criação de novos bairros residenciais, as casas desocupadas daqueles que saíram para regiões mais valorizadas passam a abrigar novos ocupantes.

São as casas de cómodos, que se multiplicariam daí por diante.
Mas o cortiço mais característico da época é o cortiço-pátio, que aproveitava melhor os terrenos e permitia a seus «investidores» maiores
lucros, apesar de as condições de higiene serem nulas.

Em 1894, o Código Sanitário do Estado era bastante rigoroso e proibia a construção de novos cortiços, preconizando o desaparecimento dos existentes, e ainda dizia que as vilas operárias deveriam ser construídas fora da aglomeração urbana, «em grupos de quatro a seis no máximo». Essas medidas, no seu intento ideológico, demonstravam algum esforço do poder público quanto ao problema, mas os cortiços continuariam.

Outro aspecto é o da mortalidade, cuja causa foi atribuída às deficientes condições de moradia dos trabalhadores. Em 1918, o forte surto epidêmico da chamada «gripe espanhola» explodiu, matando quase 2% da população urbana, quase mais gente que «quatro anos de guerra».

Os bairros mais atingidos sempre eram os de operários, dos assalariados de baixíssima renda, como se percebe pelas notícias da imprensa em várias épocas .

A ação da polícia sanitária, no que tange às desinfecções das moradias, era violenta e frequente nos «tugúrios» e «ninhos da tuberculose». Procedia através de inquéritos sobre a vida cotidiana desses moradores e, ao mesmo tempo, invadia os domicílios à procura dos doentes (incluindo os perturbados mentais), pretendendo retirá-los para asilos, hospitais de isolamento e, assim,

desinfectar tais focos epidêmicos.

O fiscal sanitário era pessoa temida — o «homem dos desinfetórios» — que passa a ser figura muito conhecida nos cortiços, nas «casinhas» dos bairros populares . Sua entrada nesses locais gerou, incontáveis vezes, protestos e reações dos moradores.


É também com base nesse princípio de «afastar e desinfetar» a pobreza que surgem as primeiras tentativas de urbanismo saneador, misturando propostas de embelezamento («revitalização», «combate à deterioração», «renovação urbana ») com a intenção de higienização e limpeza de determinadas porções do espaço urbano. Além de apresentar um modelo de habitação «individualizadora » — no combate à promiscuidade.

Além dos «vírus» da varíola, tifo e até do bacilo da tuberculose, teme-se o «vírus» do anarquismo, ou simplesmente a possibilidade de organização, mesmo em movimentos episódicos, greves, etc, que o ambiente comum, a língua e os costumes pudessem condicionar.

O aluguel de habitações familiares, «higiênicas», correspondia, na melhor das hipóteses, «a mais da metade do salário da classe trabalhadora que vivia em São Paulo»: «Casas desse preço há muitas, e quem mora nelas não são operários: são os pequenos empregados; os operários moram nos cortiços . Dessa maneira, a idéia de intervir no problema habitacional carregava a

conotação de «limpar» a cidade, especialmente por causa da promiscuidade com os bairros de residências burguesas. Foi o caso da epidemia da febre amarela no final do século, que «infectou» o bairro de Santa Ifigênia, vizinho dos então aristocráticos Campos Elíseos .

Em 1900 já se falava na construção de casas para operários (vilas operárias) «fora do perímetro central» e proibia-se a construção de casas para operários na zona do comércio. Evidenciando-se um modelo segregador de uso do espaço, separando a habitação operária para longe do local de circulação da classe dominante .


Por volta de 1920, o setor industrial ainda era marginal à economia orientada para exportação. Existem dificuldades nas estimativas do volume do parque industrial paulista e paulistano.

O primeiro relatório que se supunha completo das firmas industriais — relatório oficial de 1895, para a capital, fazia menção de firmas que utilizavam energia mecânica.

Os imigrantes foram a principal fonte de mão-de-obra industrial de São Paulo, não só por estarem mais ajustados a esse tipo de trabalho (muitos haviam sido operários), como também por não terem preconceito contra o trabalho manual (como alguns brasileiros despossuídos) e por repelirem a relação paternalista vigente.

Os colonos migraram para os centros urbanos, configurando, pois, um excesso de força de trabalho na cidade, pauperizado, em relação às necessidades produtivas da indústria em expansão. Além do que a importação de mão-de-obra era subsidiada, favorecendo os empresários paulistas, e, indicando a propalada «vadiagem» dos nacionais, iria passar a segundo plano quando o sistema imigratório fosse diminuir após 1914, agravado com a eclosão da Primeira Grande Guerra. Aí o cafeicultor passa a buscar braços em outras regiões do Brasil, como no Nordeste, mas a absorção dos nacionais iria acentuar-se após 1930, quando serão absorvidos brancos, negros e mulatos.

Moldando às exigências do seu parque industrial — do capital e suas necessidades. E o Brás é um exemplo de bairro que se tornou celeiro e distribuidor de força de trabalho em São Paulo.
O bairro atingira certo progresso nos inícios do século xx, destacando-se a construção de novas igrejas e bondes elétricos inaugurados em 1900.
Moradores de vilas operárias, de cortiços, de pequenas casas alugadas, de casas que eles mesmos construíam, os italianos particularizavam a vida do Brás e configuraram o espaço de acordo com seu modo de vida. Tal influência se fez sentir nas ruas, que se tornaram verdadeiros pontos de encontro e reunião.

A habitação operária marcou profundamente o feitio de alguns bairros (como o Brás, Moóca, Bexiga e Bom Retiro), assim como as residências das classe dominantes moldaram e vestiram outras áreas.
Essa paisagem soma-se aos efeitos das ferrovias, das passagens de nível, das porteiras e dos congestionamentos de trânsito, das estações, pátios movimentados de manobra, barulhentos e, ainda, grandes armazéns de mercadorias, bem como ruas sem saída.

O uso do espaço urbano se fez sob a égide da propriedade privada. O Estado-município havia concedido «datas de terras», aforamentos nas áreas não incluídas nas chácaras existentes, de tal forma que nem mesmo em locais em torno de praças ou monumentos havia reservado espaço para ruas de acesso, como é o caso da pendência quanto ao Largo da Concórdia, no Brás, que era parte da chácara, próxima da igreja do bairro e foi «doada» após vários litígios.

Com o crescimento da cidade, o estoque de casas existentes foi sofrendo adensamento, adaptando-se e construindo-se novas «habitações coletivas».
Esse tipo de habitação só seria contestado quando o interesse público (medo de epidemias)
vislumbrasse em risco os interesses das classes dominantes. O interesse privado sempre prevaleceu e, no caso, dos proprietários.

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